MEMÓRIA
MUSICAL:
Você se lembra da música Cálice, de Chico Buarque e Gilberto Gil
(1973)? Nela os autores iniciam a bela canção com a frase "Pai afasta de mim
esse cálice". Na época Chico e Gil inflamados em romper com imposições dão
ambigüidade à palavra cálice, referência a represaria daquele momento. Expressam
o que sentem e pensam através da música. Submetem-se a risco de perder uma mão,
de perder um braço, de perder uma perna, de serem presos ou até mesmo de perder
a própria vida por idealismo e por vontade própria. Ao fazer analogia à frase
"de vinho tinto de sangue" simbolizam a violência e a força imposta pelos
militares e governantes.
Os compositores pedem na letra da música que
seja extinta a repressão à liberdade de expressão. Que fosse extinta a censura.
No ano em que foi composta a letra da música Cálice o Brasil vivia um
período de grande desenvolvimento econômico. No Governo Médici de 1970 a 1973 a
economia bateu recordes de crescimento, chamada época do milagre brasileiro.
Tendo como base um celerado desenvolvimento com a expansão do mercado
interno, modernos sistemas de crédito e uma nova política de exportação.
Aliado a isso, outros fatores conjunturais favoreceram como; a maciça
entrada de capital estrangeiro que fortaleceu o setor estatal e a indústria
nacional.
Nesse período o país tinha um cenário político bastante
conturbado devido ao endurecimento do Governo no trabalho de desarticulação dos
focos de protestos e guerrilhas ainda existente.
A máquina repressiva
liquidou o movimento do Araguaia e várias operações comandadas pelo DOI-CODIs
reprimia os movimentos populares e sindicais. Isso é história viva!
Inspire-se nesse belo registro de Chico Buarque e Gilberto Gil. Ouça a
melodia e diga não ao Cálice!
CONVERSA ENTRE
AMIGAS
Sei que às vezes o medo paralisa a gente. Aprisiona ao
passado, a pessoas que perdemos, a desejos que não realizamos. Complexidade
enorme ser gente. Julia me responde, banalizaram tudo - pensam que
estamos numa prateleira, com preços baixíssimos".
Olhar e não enxergar.
Assim começou nossa conversa naquela tarde quente de final de Outubro. Falo com
a alma de uma mulher intensa em tudo. Por isso, sofre, arrasta um peso enorme
desejando que o mundo mude. Que as pessoas sejam mais solidárias e menos
solitárias. Respondo que quase todos olham e não sentem, mas eu,
particularmente, sinto muito. Você sabe da minha sensibilidade... Somos
espíritos, utilizamos um corpo físico - matéria, matéria que vai e vem com os
tempos, com a evolução do universo. Não somos presos, somos livres Jú, livres!
Tem momentos que sinto medo do que vejo nos olhos das pessoas. Vejo nada minha
amiga, nada! Nossa! Acha que existem pessoas totalmente vazias? Vazias de tudo?
Isso é muito sério!
É mesmo muito sério! Pessoas querem o que os olhos
alcançam sem ao menos saber por que querem. Ou não querem nada e usam a figura
do outro para se auto-promoverem. Papo cabeça esse hein Jú? Uau... adoro isso!
Escreve sobre isso agora Claúdia.
Tenho aprendido com a água Jú. Observe
essa maravilha de Deus - a água contorna tudo. Ela sempre dá um jeito de chegar
a algum lugar. Representa muito Júlia é signo puro, natural e da natureza.
Talvez seja mesmo hora de sair fora. Minha decisão com o real
envolve não só meu sonho, meu querer, mas minha alma também Claúdia.
Muitas vezes encontramos mais de uma porta de saída Júlia, temos que
escolher. Não é fácil decidir qual caminho tomar, mas é necessário seguir. Mesmo
correndo risco de entrar pela porta errada!
Pros amigos, você é
brilhante - guerreira - falante - divertida. Não deixe que as mazelas da vida
azedem o seu ínto - ele é superior a tudo isso! Nossa! Obrigada! Mesmo! De
coração! Uma decisão não precisa ser dolorida, não é mesmo?
Isso mesmo!
Tem coisas que somente as almas que se reconhecem são capazes de demonstrar
verdadeiramente.
Júlia lembra quando contei que fui pedida em namoro?
Você disse dá uma chance pro cara. Depois falei que ele era descasado e tem
uma... E que algumas lições aprendemos duas vezes no máximo e você rindo me
respondeu: "Corre! Mas corre muito dele!". Pois é, agora sou eu quem falo corre,
mas corre muito pra realizar o que te faz alegre e feliz! Isso é saber amar a si
mesma amiga! Atravessa quantas portas forem necessárias e não tema o
desconhecido. Lá no fundo você sabe que tudo vai dar certo! É isso!
Nossa! Minha imaginação foi a mil. Esses nossos papos são sempre
inspiradores. Valeu amiga! Por me permitir registrar esse momento. Beijo Júlia e
fique em paz!
CLASSIFICADOS II
O individualismo
contemporâneo é o que destroe o homem.
Não multiplicamos sozinhos.
Precisamos um do outro.
Somos sementes da mesma fruta Terra.
Essa fala
é de uma mulher idealista que vive um momento multiplicador de raciocínio bem
como ativista social em alguma ONG de Direitos Humanos. Ela não teme nada, sua
linguagem é branca, emocionada, mas jamais sentimentalista quando se trata de
defender suas idéias.
Pessoa que sabe bem o preço de ser autêntica e
objetiva. Postura muitas vezes encarada como masculina e que ela entende. pois
sabe que julgamentos fazem parte do sentimento humano e não se perturba com
nenhum deles.
Aprova críticas que possam engrandecer o seu observador
esforço.
Amparada por pessoas como Renato que admira sua garra e Sueli
que incentiva suas memórias e inspira sua escrita. Com entusiasmo comemora cada
linha produzida como se fosse o nascimento de um filho.
Aos 40 anos essa
mulher decidiu escrever sobre subjetividades culturais da identidade humana.
Questionadora e impulsionada pela arte da escrita passou a investigar porque o
ser humano vem se tornando cada vez individualista e pouco renovador quando se
trata de desenvolver e praticar idéias e ideais nesta complexa sociedade
contemporânea.
Atenta e observadora procura lealdade, significados,
reconhecimento e lógica em tudo que ouve, lê, escreve e pronuncia. Afirma que
sua capacidade para conquistar o verdadeiro está além das entrelinhas. Hoje
acredita que impor é violentar o outro e nenhum ser homem tem esse direito.
Aqueles que pretendem deter a verdade absoluta são pretensiosos por natureza.
Para ela falas liturgicas emburrescem a espécie humana. Reconhece que a
capacidade do homem é imensurável e surpreendente. Por isso, considera
inadequado medí-la.
Defende a idéia de Muniz Sodré - sociólogo e
professor, "o olhar ao mesmo tempo em que percebe atribui valor". Isso
"justifica" o aumento no desenvolvimento de discriminação, preconceitos e
barbáries pelo fato de ignorarmos afetivamente e intelectualmente o outro.
Características de uma sociedade contemporânea e capitalista que dá
importância em destacar título na frente do próprio nome quando se apresenta a
alguém.
Sem pretensão a letrista de música - enfatiza:
"Democracia
eu quero uma para viver"
Numa sociedade mais justa e menos desigual,
Numa sociedade de oportunidades reais para todos,
Numa sociedade que
exija receber conhecimento pedagógico e idealista,
Numa sociedade que aprenda
a dizer não aceito o preconceito!
Numa sociedade que aprenda a dizer não
aceito a discriminação!
O MARAVILHOSO MUNDO DOS
CEGOS
No mundo dos cegos, encontram-se maravilhas jamais vistas por
aqueles que possuem os olhos bem abertos para o mundo. Na verdade, as maiores,
mais belas, mais desejadas e gostosas coisas da vida, não está por aí,
espalhadas na face da terra à disposição de todos. Estão, sim, reservados para
poucos, somente para aqueles que conseguem enxergar, não com os olhos, mas com a
virtude da consciência, do respeito e da dignidade humana.
Não enxergar
é ter nos olhos a sensibilidade e a percepção de conseguir imagens criadas pela
mente e, tenham a certeza de que todas são muito, maiores e belas do que as
deixadas à nossa disposição. O Deus que tanto amamos não seria capaz de criar
rios, cachoeiras, montanhas, lagos , pássaros, sons melodiosos e paladares
deliciosos, se morasse na amplidão azul do céu e de lá dirigindo a nossa
sensibilidade e percepção naturais.
Não seria capaz de fazer tantas
coisas e, se realmente as fizesse, não seriam tão belas e majestosas quanto
aquelas que estão na imaginação dos que não enxergam.
O homem precisa
entender que em suas mãos, estão o destino do mundo e de tudo que nele existe.
Compreender que só honestidade poderá levá-lo ao caminho certo, subsidiá-lo com
respeito, dignidade de dar as mãos, sem preconceitos e parcialidades.
Ter
a imparcialidade do cego que de todos se aproxima sem receios, indiferente à sua
aparência física ou material; a dignidade de dar as mãos, sem perceber ou
reconhecer na oponente, as suas nódoas ou ações indevidas.
Apenas
dar as mãos, transferir-lhe um pouco do seu calor humano e até diminuir-lhes as
possíveis máculas. Como é maravilhoso o mundo dos cegos! Não ter o dissabor de
observar nas feições daquele que lhe beija a face, os traços da traição e nem
perceber nas mãos que lhe afagam, os instantes de retração, mas apenas as
sentir. Não ver é uma dádiva e não castigo. É ter no seu olfato a sensibilidade
de sentir o verdadeiro aroma das rosas, jasmins, gardênias e muitas outras,
imaginando-as tão mais belas que, não teria o próprio Deus, a capacidade de
criá-los.
Poder sentir, através do seu apurado tato, as
diferentes formas e variações de corpos e superfícies, sentindo-as como são:
ásperas ou lisas, agradáveis ou intrigantes, sem influências da visão, sem
repugná-las, apenas as aceitando.
Criar através do seu sentido maior,
formas e cores que justifiquem a percepção do seu tato e do seu ilusório que
sempre atingem a integridade da satisfação pessoal. Ser cego é poder analisar a
cada fato com isenção, porque se não consegue o presenciar, é capaz de, com sua
acuidade de sentimento, decidir pela verdade e não ser traído pela mídia no
momento do fato. A insegurança que dirige seus passos pelos caminhos da vida é
também a mola mestra que lhre possibilita dar tempo à mente para uma decisão
convicta e que, se por vezes errada, jamais o= leva a um falso ideal.
Caso não desfrute da queda de uma cachoeira também não crava em sua alma
a tristeza de uma lágrima que rola numa face sofredora, também não cria a
paisagem do fundo, para o rebento das ondas do mar agitado, como não é capaz de
criar o pano de fundo dos trovões. Mas, certamente, cria-os, porém sempre mais
belos que a densa e branca espuma que sobe nos rochedos e, bem menos
desagradáveis que o rigor do breu da noite e menos temeroso que ps clarões dos
raios.
Ser cego é estar mais perto de Deus, melhor entendê-lo, senti-lo
mais verídico, poder desfrutá-lo. Esse Deus até pequeno, tão pequeno que cabe na
mente de cada um de nós. Possivelmente, uma partícula ínfima, razão porque não a
detectamos nem a percebemos, por mais que se avance na ciência.
Provavelmente, invisível, mas sua presença é indiscutível e inolvidável,
divisível, multiplicável. Poderemos também somá-la, mas, jamais subtraí-la.
Caso, isso ocorra, seremos apenas homens e não seres humanos.
Os olhos
que vêem o mundo não param mais de chorar e os que jamais o viram, são capazes
de amá-lo.
POUT PORRI LITERÁRIO - ESTIGMA E O RELÓGIO DO AMOR
PAROU
A vida humana é uma servidão. Nós estamos a serviço do nosso corpo
que tem exigências da sociedade, o estigma do trabalho, a idéia da perfeição, da
queda, do pecado, com o mundo moderno nos impondo o preço de tudo, mas sem saber
o valor de nada.
Que o amor abandone aqueles que não dão à mínima pra
ele, eu até entendo. Mas e quanto àqueles que se importam? Àqueles que
acreditam, que esperam, que contam com ele? Àqueles que poderiam seguir
sozinhos, mas preferem seguir acompanhados?
E aí está Zenóbia, negra,
gari, vinda da área rural, população excluída de saneamento ambiental,
esgotamento sanitário. Retirante, o combate à fome estava gerando mais fome,
retratada nas músicas de Luíz Gonzaga, nas pinturas de Cândido Portinari, nas
poesias de João Cabral de Mello Neto, nos livros de Graciliano Ramos.
Se
há justiça para o amor, por que não há também para os amantes? Para os "idiotas"
que por ele lutam, que por ele choram...
LEIA OS
MOTES E CONTINUE AS INSPIRAÇÕES
CRÔNICAS:
MEMÓRIA MUSICAL (CÁSSIA MARIA DO
NASCIMENTO): CRÔNICAS COM INSPIRAÇÃO NOSTÁLGICA BASEADOS NO
MOTE.
CLASSIFICADOS II (CÁSSIA MARIA DO NASCIMENTO): CRÔNICAS COM
INSPIRAÇÃO SUBJETIVA BASEADOS NO MOTE.
CONVERSA ENTRE AMIGAS (CÁSSIA
MARIA DO NASCIMENTO): CRÔNICAS COM INSPIRAÇÃO AS MULHERES AMIGAS E SUAS VISÕES
MÚTUAS DE MUNDO BASEADOS NO MOTE.
O MARAVILHOSO MUNDO DOS CEGOS
(CONDORECT ARANHA): CRÔNICAS COM INSPIRAÇÃO NOS SENTIDOS E DESAFIOS DOS SENTIDOS
EM RELAÇÃO AO MUNDO BASEADOS NO MOTE.
MESCLA DAS CRÔNICAS (COSME
CUSTÓDIO DA SILVA E NICOLE LOUISE) ESTIGMA E O RELÓGIO DO AMOR PAROU, DIVERSAS
LEITURAS SOBRE O MESMO, IDÉIAS EXPOSTAS E TUDO MAIS SERÃO ACEITOS PARA CRÔNICAS
BASEADAS NESTE MOTE.
PARA VER MELHOR AS ESTRELAS (GIORDANA MARIA BONIFÁCIO
MEDEIROS): CONTOS COM INSPIRAÇÃO REFLEXIVA DENTRO DO QUE O MOTE DO TEXTO
MOSTROU.
EM MAUS LENÇOIS (JÚLIO CESAR AMATO): CONTOS COM INSPIRAÇÃO
HUMORÍSTICA BASEADOS NO MOTE.
BONECAS (CAIO FLÁVIO DE OLIVEIRA):
CONTOS COM INSPIRAÇÃO POÉTICA E FILOSÓFICA BASEADOS NO MOTE.
O PASSADO
NÃO MARCA ENCONTRO EM MOTEL (GERSON VALLE): CONTOS COM INSPIRAÇÃO ADULTA E
CRÍTICA SOBRE O MEIO BASEADOS NO MOTE.
O MAR (JEFFERSON ULISSES
MARCIANO): CONTOS COM INSPIRAÇÃO OBSERVADORA E PLANIFICADA BASEADOS NO
MOTE.
A FUGA DO BOI! (JEREMIAS F.TORRES): CONTOS COM INSPIRAÇÃO
VERÍDICA E COM ESTÓRIAS TRADICIONAIS BASEADOS NO MOTE.
O SUCURI (RITA
BERNADETE SAMPAIO VELOSA): CONTOS COM INSPIRAÇÃO FOLCLÓRICA E AFINS BASEADOS NO
MOTE.
CONTOS.
PARA VER
MELHOR AS ESTRELAS
Faltou energia e a cidade Ilha da Fantasia ficou
às escuras.
- Mamãe, estou com medo! Disse a menina na janela do último
andar do edifício Morfeu.
A mãe afagou-lhe a cabeça:
- Não tenha medo
não filhinha, com as luzes desligadas fica mais fácil ver as estrelas. A menina
sorriu e ficou observando o céu pontilhado
de estrelas pequeninas.
- É
tão bonito. Sorriu.
A velha senhora de um dos apartamentos do primeiro
andar, dedilhava as contas do rosário rezando compassadamente ave-marias e
padres-nossos.
- Ave Maria, cheia de graça...
No telefone
público, em frente à janela da velha senhora, um homem chorava no
telefone:
- Por favor, Clarice, sinto sua falta e quero ver os meninos.
Prometo que não farei de novo, nunca mais baterei em você e muito menos nas
crianças...
Por favor, escute, eu prometo viu?
No beco em frente um
bêbado, lamuriava.
- Bebo para suportar a vida...
Cambaleando
caiu no chão e não conseguia se levantar.
Outro homem sentado em um
ônibus que passava no momento, praguejou:
- Viver é uma merda.
Encostou a cabeça na janela e tentou dormir um pouco depois de horas de
trabalho. Fazia jornada dupla como balconista em uma lanchonete
e como
motoboy de uma empresa. De hábito, quando ele chegasse em casa, os seus filhos
estariam dormindo. Tinham rotinas incompatíveis e só no fim de semana
ele
conseguia ver os garotos.
Na rua um grupo de meninos corria no
escuro assustando os passantes, um deles, vendo o bêbado estendido no chão,
chutou-o com toda a força. O bêbado gemeu
Os meninos, então, munidos de
paus e pedras, passaram a espancá-lo. Vendo a brutalidade com que tratavam o
bêbado, o homem que estava no telefone público, aos berros
avançou contra
os meninos que abandonaram o pobre bêbado ensanguentado e cheio de escoriações.
O homem perguntou se o bêbado estava bem. Grogue pela bebida e também pelas
pancadas o bêbado agradeceu ao homem.
- Muito obrigado meu filho
- O
senhor não deseja ir a um hospital? Perguntou o homem.
- Não está tudo muito
bem, respondeu o bêbado sentando-se em frente ao beco.
EM MAUS
LENÇOIS
Ônibus lotado. Segunda-Feira, 18:30h, cidade do Rio de
Janeiro, esperar o quê?! E o pior: eu estava sentado! É isso mesmo! Antes não
estivesse!
Uma madame aportou bem ao meu lado, e eu não me senti nem um pouco
afim de ceder o meu lugar. Talvez você seja da ala que acha que um homem deve
dar preferência às mulheres
que cavalheirismo é importante..., mas, primeiro
ainda não entendi se as mulheres querem direitos e deveres iguais, ou não;
segundo, meu corpo doía todo, um morto-vivo de cansaço.
Francamente, nem
pensar...! Continuando havia um malandro, também em pé, com pinta de galo brabo,
que começou a me olhar de cara feia. Será que me confundia com alguém?! Ou será
que estava exigindo que eu doasse o meu conforto àquela dona?! Eram as únicas
explicações razoavéis que me surgiram - não tão razoáveis assim! Feio às pampas,
cabeludo, barba por fazer, um muque de respeito, dentes amarelos como um móvel
que há muito foi branco (Vi quando deu um estranho sorriso para alguém)... "A
coisa não tá boa pra mim, não!" pensei.
Passei a fingir que não o
percebera, desviava o olhar para a janela, mas nada: o mal-encarado continuava a
me fitar. A mulher, eu não sabia se notava a crise, ou não; se ela era alguma
coisa dele, ou não...! Fico longe do tipo heróico (meio covarde mesmo) e, ao
mesmo tempo, não gosto de demonstrar essa minha
natureza.
BONECAS
No pátio da casa, as duas irmãs brincavam
com suas bonecas. A primeira de ser mãe, dando de comer à filha. Panelinhas de
plástico, gravetos simulando talheres, talinhos de grama boiando n'água, era o
almoço que preparava. A outra menina era a comadre, vestindo sua boneca para um
passeio. Para isto a enfeitava com gosto, penteando-lhe os os cabelos duros,
pintando-lhe os olhos desbotados. Uns restos de batom da mãe e um pouco d'água
num frasco de vidro - fazendo às vezes de perfume - era o toque final que a
Chica precisava para ir de visita à casa da madrinha.
Brincavam assim,
entretidas, na hora sossegada do depois do meio-dia. O pai dormia de bêbado,
babando-se. A mãe andava ao léu, diz que procurandpo trabalho, não sabiam.
Sabiam apenas das coisas do seu mundo, da paz daquela hora sem bordados. Tomando
conta delas, por trás da cerca, uma vizinha gorda, rebocada de batom. Bem
quietinhas, viu? Balançavam as cabecinhas loiras, trigais ao sol
causticante, elas também bonecas, lindas no viver da infância. Faziam casamentos
de reis, batizavam as filhas, organizavam festas com príncipes que chegavam em
cavalos brancos, que era apenas um cabo de vassoura, onde vinha montado o
Maneco, um bruxo de pano esquisito. Comportadas, heim? Recomendava a
vizinha, de olho aberto.
O PASSADO NÃO MARCA ENCONTRO EM
MOTEL
Zélio Ursino cansou-se de seguir telenovela. Não algum dia
tivesse sido aficcionado no gênero. Mas, volta e meia, não sabendo o que fazer
sozinho no apartamento, com a mulher e a filha atentas na telinha, sentava-se
também ao lado delas, seguindo as peripécias repetidas ao longo de meses, por
personagens que acabam sendo parte das famílias brasileiras.
É até difícil
conversar com os colegas de trabalho ignorando as últimas façanhas de tais
personagens. No entanto, por causa desta compulsoriedade da integração da novela
em nossas
casas, com todos os seus tipos mal engendrados (é como se
conviver, forçadamente, com uma multidão de aleijados de espírito), Zélio
percebeu que estava se tornando cada vez mais irritadiço. Desde a infância
tivera o hábito da leitura, de onde lhe vinha certo senso crítico. Hábito e
senso que parecem rarear-se hoje em dia, inclusive nos personagens das novelas,
que tanto podem espelhar como serem copiados na vida real sob este aspecto.
Sua filha e coleguinhas, por exemplo, pareciam seguir, por algumas
observações e atitudes, certos estereótipos dos personagens
telenovalescos.
O MAR
O mar refletia o azul do céu. As
águas se moviam formando ondas que vinham chocar-se com os corais. O som era
relaxante apesar de se misturar com a conversa das pessoas.
Júlio queria
ser feliz. Os olhos fechados. Sua mente era um branco total.
Júlio queria
ser feliz. Mas esse era um pensamento, era uma aspiração.
A felicidade
verdadeira andava por aí, mas ele não encontrava porque buscava algo que não era
ela. Depois que uma onda estourou em um rochedo Júlio pensou sem palavras. "Eu
existo, apenas isso".
O sol começava se por trás da montanha. O céu
ficava vermelho e o mar também.
Era algo muito belo que Júlio não se
preocupava em ver. Ele relaxava cada vez mais.
De repente algo cutucou
em sua cabeça. Ele abriu os olhos e viu sua namorada sorrindo
docemente.
As gaivotas sobrevoavam águas e pessoas andavam de um lado
para outro.
O casal estava sentado na areia.
Aline
perguntou:
- Você me ama.
Julio respondeu:
- Amo.
-
Duvido.
A FUGA DO BOI!
O que poderia ter
ocorrido?
Um acontecimento rotineiro, normal, tornou-se repentinamente
atípico, excepcional!
Um representante mais comum da espécime, de uma ora pra
outra, resolveu "virar à casaca!"
Escapuliu do corredor da morte e
ganhou o olho da rua!
Todos os seus antecessores, aceitaram seu karma sem
nenhum comprometimento, por que somente ele resolveu
ser
diferente?
Todos seus parentes, conscientes da impossibilidade de
libertação tão seu fim violento, e sucumbiram. Ele não...
Numa última
tentativa de encontrar a liberdade, momentos antes da morte violenta, resolveu
reescrever sua história e fugir. Ledo Engano!
O
SUCURI:
A vila, no coração de Góias, adormecera. Assim, tão
silenciosa e banhada apenas pelo luar, parecia mais que morrera já há tempos. As
ruas poeirentas
e desertas eram poucas e estreitas. O vento por elas passeava
e penetrava pelas frestas das janelas carcomidas espalhando um silvo estranho
pelo ar.
Não muito longe, no fim da rua principal, ficava a cadeia do
lugar. Chicão tomara uma importante decisão.
Aos poucos o sol foi saindo
e banhando a rua, as casas e os terreiros. O vilarejo todo se espreguiçava.
Levantara-se das palhas que lhe serviam de cama. Olhara em volta: um
puxado exíguo. Era seu quarto, sua sala, seu banheiro, sua casa enfim. Ao lado,
um pequeno cômodo com duas janelas que davam para uma das ruas laterais do
lugar. No cômodo, três prisioneiros: ladrões de gado.
Dois haviam sido
presos por Chicão e alguns moradores de uma fazenda dos moradores de uma fazenda
aos arredores. Uma testemunha ocular fora o bastante. Chicão caçara-os. Estavam
acampados na Beira do Rio Corrente em meio à mata margeante. Depois do cerco
silencioso, veio o tiroteiro incessante e rápido.